INTRÓITO

Subverter, Exorcizar, Viver, Beijar, Amar, Odiar, Saber, Piratear, Analisar, Mover, Parar, Rejuvenescer, Envelhecer... Tudo isso e nada. Petit Subversion é só um diário de alguém comum - de Anatólia... um fantasma.

domingo, 8 de março de 2009

A uma dama que macheava outras mulheres


(...) De acordo com o Antropólogo Luiz Mott a mais antiga página literária escrita no Brasil, e certamente também a primeira em todas as Américas, a referir-se explicitamente aos amores lésbicos, é de autoria do baiano Gregório de Matos Guerra – popularmente conhecido como Boca do Inferno (1636-1695).

Boca do Inferno dedicou um poema a uma mulher chamada Nise que traz o título “A uma dama que macheava outras mulheres”. O verbo machear não consta nos dicionários antigos. No Aurélio consigna-se o verbo como “cópula do macho com a fêmea”. E foi, justamente, neste sentido que o poeta empregou o verbo, tanto que no mote introdutório completa:


“Nomorei-me sem saber, esse vício a que te vás, que a homem nenhum te dás, e tomas toda mulher”.


Eis o poema completo:



A uma dama que macheava outras mulheres

1
Fostes tão presta em matar-me, Nise, que não sei dizer-te,
Se em mim foi primeiro o ver-te, do que em ti o contentar-me
Sendo força o namorar-me, com tal pessoa hove de ser,
que importando-me aprender a querer, e namorar,
por mais me não dilatar namorei-me sem saber.

2
A saber como te amara, menos mal me acontecera,
pois se mais te comprendera, tanto menos te adorara:
a vista nunca repara, no que de dentro d’alma jaz,
e pois tão louca te traz que só por Damas suspiras,
não te amara, se tu viras, esse vício a que te vás.

3
Se por Damas me aborreces absorta em suas belezas,
a tua como a desprezas, se é maior que as que apeteces?
Se a ti mesma te quisesses, querendo, o que a mim ma praz,
seria eu contente assaz, mas como serei contente,
se por mulheres se sente, que a homem nenhum te dás?

4
Que rendidos homens queres, que por amores te domem?
Se és mulher não para homens, e és homem para mulheres?
Qual homem, ó Nise, inferes, que possa senão eu ter
valor para te querer? Se por amor nem por arte
de nenhum deixas tomar-te, e tomas toda mulher!

- Gregório de Matos Guerra -