INTRÓITO

Subverter, Exorcizar, Viver, Beijar, Amar, Odiar, Saber, Piratear, Analisar, Mover, Parar, Rejuvenescer, Envelhecer... Tudo isso e nada. Petit Subversion é só um diário de alguém comum - de Anatólia... um fantasma.

sábado, 22 de agosto de 2009

Confissões ou autoanálise?!


Depois de passar por um longo período sombrio, eis que retorno para escrever algo e para dar uma satisfação a Petit Subversion. Fiquei distante de mim e de todos. Coisa comum em nosso tempo – as crises – são crises que permeiam a vida de tantos outros.
As coisas andam cinzas em minha existência. A certeza de que o pior tenha passado não é muito concreta, mas estou dando um respiro, tanto que me animei em escrever. Bem, e o que são essas nuvens cinzentas? São relações afetivas rompidas, são cansaços profissionais, são decepções políticas, são decepções humanas... são mortes... é tudo muito concreto e óbvio, no entanto, cada ser vivo lida ao seu modo e o meu modo de lidar foi bem dolorido. Pensei em morte, pensei em vingança, pensei em fugir, pensei em desistir, pensei pensei pensei, nossa, como pensei. Por um momento cheguei a entregar-me, mas levanto e bato a poeira. Não estou limpa, ainda, porém, consigo vislumbrar uma pequena fresta, vislumbro uma réstia azul-violeta que me traz para perto do que ainda acredito.
Sabe, o mais horrível de tudo é fingir (usar tantas máscaras quanto for possível). Foi o que mais fiz e o que mais tenho feito. Esse fingir ao mundo que tudo está ótimo. Esconder a queda, lavar as mãos e seguir. Mostrar o inverso do que se sente e dizer bom dia boa tarde boa noite com um sorriso. Atender o mesmo sofrimento e ficar numa posição que não pode, em hipótese alguma, ser a mesma posição daquele que sofre. Porém, digo, friamente, que me alivia saber que outros também sofrem. Somos humanos e humanos devem sentir. Deixo uma poesia e talvez, nos próximos dias, eu volte a escrever – escrever o que há de melhor em mim.
Ah, terminei de ler, faz quatro dias, a biografa de Virginia Woolf, resumo numa palavra, “melancolia”. E em duas palavras digo mais, “assustadoramente perfeita”.

Saudade dos seus peitos em minha boca
Os seios trouxeram saudades
E assim, de cada dobra do corpo uma falta
E o objeto caiu
É um buraco sem tamanho
E deslizo
Meu corpo desliza quando tu me faltas
Evoco tua ausência naquilo que me vejo
Faço uma escavação para reencontra o prometido o tudo
E só encontro detritos
Uma insuficiência.
Provocaste um dano em mim
Uma ferida que jamais cicatriza
É tão óbvio que basta deixar-me falar o seguinte:
– O casaco pendurado no cabide é minha segunda pele,
No bolso esquerdo tem uma lâmina
Nela está impresso o mapa que nos traz até este ponto – o primordial desejo.

A. K.

domingo, 8 de março de 2009

A uma dama que macheava outras mulheres


(...) De acordo com o Antropólogo Luiz Mott a mais antiga página literária escrita no Brasil, e certamente também a primeira em todas as Américas, a referir-se explicitamente aos amores lésbicos, é de autoria do baiano Gregório de Matos Guerra – popularmente conhecido como Boca do Inferno (1636-1695).

Boca do Inferno dedicou um poema a uma mulher chamada Nise que traz o título “A uma dama que macheava outras mulheres”. O verbo machear não consta nos dicionários antigos. No Aurélio consigna-se o verbo como “cópula do macho com a fêmea”. E foi, justamente, neste sentido que o poeta empregou o verbo, tanto que no mote introdutório completa:


“Nomorei-me sem saber, esse vício a que te vás, que a homem nenhum te dás, e tomas toda mulher”.


Eis o poema completo:



A uma dama que macheava outras mulheres

1
Fostes tão presta em matar-me, Nise, que não sei dizer-te,
Se em mim foi primeiro o ver-te, do que em ti o contentar-me
Sendo força o namorar-me, com tal pessoa hove de ser,
que importando-me aprender a querer, e namorar,
por mais me não dilatar namorei-me sem saber.

2
A saber como te amara, menos mal me acontecera,
pois se mais te comprendera, tanto menos te adorara:
a vista nunca repara, no que de dentro d’alma jaz,
e pois tão louca te traz que só por Damas suspiras,
não te amara, se tu viras, esse vício a que te vás.

3
Se por Damas me aborreces absorta em suas belezas,
a tua como a desprezas, se é maior que as que apeteces?
Se a ti mesma te quisesses, querendo, o que a mim ma praz,
seria eu contente assaz, mas como serei contente,
se por mulheres se sente, que a homem nenhum te dás?

4
Que rendidos homens queres, que por amores te domem?
Se és mulher não para homens, e és homem para mulheres?
Qual homem, ó Nise, inferes, que possa senão eu ter
valor para te querer? Se por amor nem por arte
de nenhum deixas tomar-te, e tomas toda mulher!

- Gregório de Matos Guerra -

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

domingo, 22 de fevereiro de 2009

TERRORISMO POÉTICO

DANÇAR BIZARRAMENTE A NOITE INTEIRA em caixas eletrônicos de bancos. Apresentações pirotécnicas não autorizadas. Land-art*, peças de argila que sugerem estranhos artefatos alienígenas espalhados em parques estaduais. Arrombe apartamentos, mas, em vez de roubar, deixe objetos Poético-terroristas. Seqüestre alguém & o faça feliz. Escolha alguém ao acaso & o convença de que é herdeiro de uma enorme, inútil e impressionante fortuna - digamos, cinco mil quilômetros quadrados na Antártica, um velho elefante de circo, um orfanato em Bombaim ou uma coleção de manuscritos de alquimia. Mais tarde, essa pessoa perceberá que por alguns momentos acreditou em algo extraordinário & talvez se sinta motivada a procurar um modo mais interessante de existência.
.
Coloque placas de bronze comemorativas nos lugares (públicos ou privados) onde você teve uma revelação ou viveu uma experiência sexual particularmente inesquecível etc.

Fique nu para simbolizar algo.

Organize uma greve na escola ou trabalho em protesto por eles não satisfazerem a sua necessidade de indolência & beleza espiritual.

A arte do grafite emprestou alguma graça aos horríveis vagões de metrô & sóbrios monumentos públicos - a arte - TP também pode ser criada para lugares públicos: poemas rabiscados nos lavabos dos tribunais, pequenos fetiches abandonados em parques & restaurantes, arte-xerox sob o limpador de pára-brisas de carros estacionados, slogans escritos com letras gigantes nas paredes de playgrounds, cartas anônimas enviadas a destinatários previamente eleitos ou escolhidos ao acaso (fraude postal), transmissões de rádio pirata, cimento fresco...

A reação do público ou o choque-estético produzido pelo TP tem que ser uma emoção pelo menos tão forte quanto o terror - profunda repugnância, tesão sexual, temor supersticioso, súbitas revelações intuitivas, angústia dadaísta - não importa se o TP é dirigido a apenas uma pessoa ou várias pessoas, se é "assinado" ou anônimo: se não mudar a vida de alguém (além da do artista), ele falhou.

O TP é um ato num Teatro da Crueldade sem palco, sem fileiras de poltronas, sem ingressos ou paredes. Para que funcione, o TP deve afastar-se de forma categórica de todas as estruturas tradicionais para o consumo de arte (galerias, publicações, mídia). Mesmo as táticas de guerrilha Situacionista do teatro de rua talvez tenham agora se tornado muito conhecidas & previsíveis.

Uma requintada sedução levada adiante não apenas pela satisfação mútua, mas também como um ato consciente por uma vida deliberadamente mais bela - deve ser o TP definitivo. O Terrorista Poético comporta-se como um trapaceiro barato cuja meta não é dinheiro, mas MUDANÇA.

Não faça TP para outros artistas, faça-o para pessoas que não perceberão (pelo menos por alguns momentos) que o que você fez é arte. Evite categorias artísticas reconhecíveis, evite a política, não fique por perto para discutir, não seja sentimental; seja impiedoso, corra riscos, vandalize apenas o que precisa ser desfigurado, faça algo que as crianças lembrarão pelo resto da vida — mas só seja espontâneo quando a Musa do TP o tenha possuído.

Fantasie-se. Deixe um nome falso. Seja lendário. O melhor TP é contra a lei, mas não seja pego. Arte como crime; crime como arte.
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* Tipo de arte que usa a paisagem, normalmente natural, como objeto artístico, sendo a própria natureza (e seus fenômenos, chuva, vento, etc.) elementos constitutivos da obra.
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Hakim Bey
(Arquivo Rizoma)

sábado, 14 de fevereiro de 2009

A Criação da Mulher

Forma então Jupter nova criatura,
De Vênus, bela, fiel pintura.
Ah! são seus beiços, fontes de vida,
Em neve pura, romã partida,
Carne mimosa que a vista enleva
Onde o desejo em vão se ceva.
As alvas tetas de marfim puro
Ah! são mais rijas que cristal duro!
- Américo Elísio -

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

GAZA

By José Saramago

A sigla ONU, toda a gente o sabe, significa Organização das Nações Unidas, isto é, à luz da realidade, nada ou muito pouco. Que o digam os palestinos de Gaza a quem se lhes estão esgotando os alimentos, ou que se esgotaram já, porque assim o impôs o bloqueio israelita, decidido, pelos vistos, a condenar à fome as 750 mil pessoas ali registradas como refugiados. Nem pão têm já, a farinha acabou, e o azeite, as lentilhas e o açúcar vão pelo mesmo caminho. Desde o dia 9 de Dezembro os camiões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelita lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações Unidas? Unidas? Contando com a cumplicidade ou a cobardia internacional, Israel ri-se de recomendações, decisões e protestos, faz o que entende, quando o entende e como o entende. Vai ao ponto de impedir a entrada de livros e instrumentos musicais como se se tratasse de produtos que iriam pôr em risco a segurança de Israel. Se o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único soldado israelita, esses especialistas em crueldade, esses doutorados em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da sua educação. Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente actualizado.

sábado, 3 de janeiro de 2009

SIAMÉSICO*


“E não se esqueçam que em vossos lares tudo é muito mais falso do que aqui.”
- Jean Genet –
*

Acredita em espíritos superiores? São como víboras que comem energias das pobres almas – sugando eu’s dos reflexos...
Sabe, durante a noite eu não durmo, fico fazendo listas, lembrando rostos, lendo Nietzsche e a lista telefônica. Uma vez arrisquei um nome, corri o dedo de olhos bem fechados até marcar stop crazy. Ela atendeu ao telefone após três chamadas, acho que esperava a minha indiscrição. Ela possui uma passividade bem humana – sobrevivente e artificial. Confessei desejos e misteriosamente presenças, que não quero revelar, materializaram-se, senti um perfume na pele e o coração pulsou mais forte. Fiz uma caçada silenciosa por longas semanas, meses... beber, lamber, saciar a sede atrevidamente. Os nossos olhos queimavam-se neles mesmos, nada mais além de tua íris castanha e tuas pupilas dilatadas... Milagres não acontecem todos os dias e juntar corpo com corpo é uma estupidez emocionante, coisas que o ser racional aprimora diariamente, distraidamente para fugir do cotidiano – não é uma epifania? Para aceitar o imprevisto, nós premeditamos. Tudo bem, eu confesso o meu crime, sou impessoal demais! E minha bondade de caráter é uma arte.
Todos os dias eu te segui e todos os dias até te morder, me abstive de outros corpos. Posso, nesse instante, desenhar as violetas de tua janela, lembro da cor, da dor e do sabor. Posso te conjugar no pretérito mais que perfeito, porque é uma mulher de imprevisível sabor... olhos de víbora, assim como os meus. Você me comeu e roubou o meu reflexo. E agora, quem sou?


* Vínculo Siamésico é o mais angustiante de todos os vínculos mãe-bebê, no sentido de que a criança pode experimentar a separação da mãe como se acarretasse a morte das duas, ou a impossibilidade de sobrevivência de uma delas, o que poderia acontecer, por exemplo, na situação parasitária ou na simbiótica, tal como observamos em determinadas esquizofrenias e em certos processos psicóticos. (Teoria do Vínculo – Pichon-Rivièe)