INTRÓITO

Subverter, Exorcizar, Viver, Beijar, Amar, Odiar, Saber, Piratear, Analisar, Mover, Parar, Rejuvenescer, Envelhecer... Tudo isso e nada. Petit Subversion é só um diário de alguém comum - de Anatólia... um fantasma.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Carta de viagem do Fim do Mundo


Estou viajando.... Viajando longe.... Continuo a percorrer o mundo... Viajando e viajando. Estou do outro lado do mundo... Longe muito longe. As paragens destes lugares não são tuas paragens... Há um vulcão em erupção por aqui e está tudo um caos. As lavas saem do topo do vulcão e inundam de quentura fervente. Sabe o que é isso? Medo e louvor.... Eu rio quando imagino o louvor. É belíssimo pensar que a morte traz vida. Quanto tempo faz que não sei o que é tocar o teu corpo quente? Já não sei contar os dias e os meses e os anos.... Faz muito tempo, talvez milhares, talvez muitas vidas e mortes. È de outra vida? Não posso acreditar nisso. Querida que saudade dos teus beijos... quando lembro fico a suspirar. Eu que conheço intimamente cada parte de teu corpo, os refúgios, as cicatrizes, as marcas, os desejos de tua pele... as vezes sinto que elas me fogem e desconheço completamente você. Tenho medo de te esquecer entre lavas e cinzas, entre erupções e esfriamentos da terra. Socorra-me, não deixe as cinzas, deste lugar que estou tomarem conta de meus olhos.

Quando vai terminar esta viagem? Não vejo a hora de reencontrar teu braço quente envolta do meu pescoço e tua boca encontrar a minha. Quando isso acontecer me beija forte e não me deixe mais deixar você... Nunca mais permita que eu viaje para o fim do mundo, pois é muito quente aqui e, de mais a mais, prefiro sempre o teu calor e o nosso inferno particular.

Minha amada, conheço você a tanto tempo que tenho medo desse tempo. Quando eu viajei a tantos anos que nem podemos contá-lo, você deveria ter me prendido entre tuas pernas – prendido firme, me sufocado até desmaiar, quem sabe, assim, eu teria esquecido de partir. Você deveria ter me drogado com teus seios numa outra viagem – numa viagem de delírio e entorpecimento.

Olha só, vou correr para uma montanha bem alta para escapar das lavas e lá do alto vou enviar um sinal para você – sinal de que ainda penso e amo profundamente teus olhos que me olhavam e falavam de alguma paixão muito louca por mim. Será que você esqueceu? Será que um dia vai esquecer? Por que os deuses me entorpeceram tanto com tua vida? Tem dias que não suporto o calor e a vontade, então rogo que chova – uma chuva contínua e infinita, para disfarçar meus olhos que choram e meu corpo que esfria com a água. Preciso esfriar-me de você caso contrário, também, entro em erupção. Como faz calor em mim!

Não é fácil dominar o passado. È uma investigação. É uma caçada a procura... – sempre a procura de algo que escapa, simplesmente, porque permitimos que escape. Você não tinha nenhuma mágica, você não tinha nenhuma receita, mas me enfeitiçou e me alimentou, se não, como eu poderia vislumbrar estes tempos de forma tão viva. Hoje, agora, neste exato momento, nada mais existe além da sede e da fome. Tua vida me recobriu e me inquietou. Tenho sede de teus beijos... uma sede prisioneira, uma sede de anos sem beber. Ah deus! Estou morrendo neste vulcão e não tem nada para saciar minha boca da tua boca. Tua boca está tão longe... longe... Quando mordo minha boca lembro que mordo a tua... Quando passo minha língua entre os lábios sinto a maciez de teus lábios.... sinto, e desculpa-me se sinto tanto, chego a sentir a maciez deliciosa de teu sexo... Então, me dá fome. Tenho fome minha amada.... fome de comer você entre lençóis macilentos e nem sei mais onde nos encontrávamos para matar a fome de nós. Onde? Onde Fazíamos nosso réquiem de amor e morte? As cinzas estão cobrindo minha visão de ter..... Amada, não há certeza, mas vagamente ouço, principalmente, nas noites silenciosas e solitárias, sim, eu ouço teus sussurros, eu juro que são teus, um sussurro envolvendo meu nome e as juras de ser minha, só minha e minha. Não sei se isso é verdadeiro ou é mais um de meus delírios de medo. Tu eras minha? Eu não sei, eu não sei de nada... Mas eu sentia em teu olho essa coisa perturbadora de ser minha e um prazer percorria meu corpo toda vez que você dizia isso. Que saudade de ouvir tua voz dizendo minha... e acordar ao teu lado para te proteger de mim mesma... Tenho que acordar do sonho... Tenho que ir...

Tua,

19.02.2010

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Sub omnī lapĭdĕ scorpiō dormit:


Não sai uma palavra de mim sem sentir ad unum
á la diable...
Não consigo conjecturar um só verbo.
Coração palpitante in integrum – regenerae.
In mente coragem, vontade.
Piedade ó phatos!
Essas coisas existem e nos comem,
minam a vida de forma indestrutível.
Quem é?
È um daimon travestido e sedutor!
De profundis clamo...
Detestabilis são aqueles que não desfrutam os prazeres da vida...
Não se deixam possuir pelo desejo.
Afrodite Infiel me toma e me come,
então, me torno volúvel.
Piedade ó phatos!
Liberta-me dos braços febris,
e da voz dentro de minha cabeça –
voz deste demoniozinho da paixão.
Corro o risco de não mais estar em mim...
Sem verbo, sem palavra...
Piedade é tudo que peço.
Desideratum!
Sedes delicada...
E toque-me com tuas palavras
um toque... Um toque
e me deixo possuir
pelo suave labor de Afrodite.
(Da mi multă basiă)

16.02.2010

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Você me come?


Um sabor me toma
Tomo do sabor alguma coisa desconhecida
Porque insisto em trazer-te para dentro como um alimento?
Como do teu sabor que não sei provar.

Comer as cores da vida
Rubra...
Meto-a para dentro
E sinto a vida correr em mim.

Engolir a angústia de ter teus beijos
Corpo sem espaço...
Onde é o lugar de te encontrar?
Como posso comer o que não vejo
Poderia me envenenar.

Não tem espaço, não tem corpo.
Ainda assim, ela me come todos os dias...
Entrego-me passiva, embora insista repetir minha atividade.
E mais ela me come.

Desejo ardente de apossar-se do desconhecido
Que sabor estranho deste estranho inominável.
Meto-a para dentro
Engolindo úmida o sabor do feminino.
Sim, é sabor feminino.

Mulher que come mulher se mortifica
E tem assento seguro ao lado dos que não tem corpo.
Tenho consciência de que como a própria carne divina.

A. A.
07.02.10

sábado, 23 de janeiro de 2010

O Ranho da Subjetividade


“O próprio escrever perdeu a doçura para mim. Banalizou-se tanto, não só o acto de dar expressão a emoções como o de requintar frases, que escrevo como quem come ou bebe, com mais ou menos atenção, mas meio alheado e desinteressado, meio atento, e sem entusiasmo nem fulgor”.

(Fernando Pessoa – Livro do Desassossego)


Poderia fingir sono e sonho e, então, viver na fantasia do eterno dormir. Poderia se não fosse à insônia e os monstros do dia a me perseguir. De lá para cá não sei mais ao certo quem sou. E onde é este lá e este cá? É dentro de mim. Vivo, faz quase um ano, uma espécie de in solidum. Toda minha alma está tomada pelo mal. Por conta disso dei, ultimamente, de ler o mal do século. Ler Rimbaud com dezoito anos é uma coisa e ler Rimbaud aos trinta e poucos é bem outra. O mesmo vale para Baudelaire, meu grande mestre, meu Satã da literatura.

Tenho pronunciado a célebre estrofe das litanias: “Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria”. Quando estou andando solitária, na rua povoada de civilização, me ouço em ladainha pedindo misericórdia para Satã. Sinto-me louca, miserável e em decomposição com a vida, diria melhor, em descompasso com a vida. Desculpo-me por tudo e por todos os sofrimentos do mundo, como se eu fosse a única causa dos males que afligem os humanos. Nas noites silenciosas sento-me na varanda e fumo pensando que quero ser deus – um deus cruel que mata a todos e depois chora. Aliás, como tenho chorado... Será que lágrimas curam? Momentaneamente sim. O desejo maior é voltar ao calor uterino, pois vivo um espedaçamento narcísico, diria Freud – ferida que jamais cicatriza.

Minha melancolia é fruto... fruto. E basta dizer isso. Fruto de uma missa fúnebre. Como me apraz à alma escutar cantos fúnebres... Estou num contínuo e interminável ritual de morte. Onde o morto, quase em decomposição, anseia ser enterrado e ninguém lhe acode, pois todos permanecem fixos. Fumam, silenciam, bebem e se encaram vez que outra para ter a certeza de que permanecem todos na sala. Uns vigiam os outros e ninguém pode sair. Lá fora aves de asas oblongas circundam a casa, cães magricelas disputam o território. Pediriam um osso de braço do defunto? Dizem que cães não comem homens. Sinceramente, não sei. Só sei que homens são capazes de comer homens – a velha história da antropofagia.

Lamentemos, de mãos suadas e dadas, para eu-infeliz e para outros infelizes:
“Vita detestabilis, nunc obdurat, et tunc curat... sors immanis et inanis, rota tu volubilis, status malus, vana salus semper dissolubilis, obumbrata et velata michi quoque niteris; nunc per ludum dorsum nudum fero tui sceleris. Sors salutis et virtutis michi nunc contraria, est affectus et defectus semper in angaria”.

Incomoda-me toda esta inteligência do mundo sobre o mundo, querem curar a tudo e nos deixam mais loucos, mais sofridos. Quanto mais curam, mais doenças causam. Não quero fazer parte do mundo, quero estar alheia, se coragem não me faltasse – pois bem, eis uma fraqueza que escondo – a covardia – faria como Rimbaud, escolheria uma terra vulcânica para me esconder e sofrer, suar e sufocar... Pobre Rimbaud morreu amputado e solitário. Que roda da fortuna reserva-me o ocasio? Qual o trem que hei de pegar para encontrar deus – “Deus est anima brutorum?”

Vou agora fingir que durmo para dissipar as luzes que me ofuscam, pois já é dia e os passarinhos cantam para minha angústia. Detestáveis eles cantam... Insipientes eles cantam... Por favor, digam-me, onde está o botão para desligar tudo isso?

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A mùsica do Faminto


A música do faminto é escutar murmúrios que não são seus,
Mas de sua própria alma álacre.
É ouvir sussurros que não provocou;
Além dos gemidos perturbadores vindos de longe
A música do faminto é sentir um gozo que não é seu
Faz o outro gozar e passa fome
Satisfaz sua ânsia olhando a boca lambuzada do outro
A música do faminto e cantar canções de outros
A música do faminto são aspersões
Às vezes come ar,
Noutras, come e bebe nada,
Por isso é faminto.
O faminto despreza o que tem
E o que não tem, faz de música a imaginação à flor da pele.

Anatólia Akkale
18.01.2010 (que data horrenda)

sábado, 16 de janeiro de 2010

BREVE ORAÇÃO DA VIRADA DE ANO


(Arthur de Faria, sobre poema de Daniel Galera)

"Dentes guardados. Não acabam nunca se guardados. Na boca apodrecem."
(Hilda Hilst, "Com os meus olhos de cão")

Deus, por favor não mais permita que os cachorros me dirijam olhares tristes por trás das grades do jardim das casas.
Deus, poupe-me também dos olhares tristonhos das empregadas que contemplam a cidade apoiadas nas sacadas dos prédios.
Tira, por favor, de todos os asilos, os adesivos do Ecco Salva afixados nas paredes.
Que as vastas platéias de cinema sejam ocupadas sempre por uma única pessoa, e que na saída do filme chova invariavelmente.
Bota fim, deus, a esse constrangimento injustificado que faz com que as pessoas desistam de trepar e dar abraços, mesmo quando elas sabem que isto seria necessário.
Convence a todos da impossibilidade do amor, e observa enquanto descobrem o amor como a única possibilidade.
Quanto aos pecados capitais, peço que tornes a Gula compatível com a Vaidade, a Preguiça compatível com a Avareza, a Ira compatível com a Inveja, e que a Luxúria soterre as anteriores.

Acabe com a Aids, deus.

Que todos tenham plena consciência de que vão morrer definitivamente, e que na hora da morte não possam evitar um breve sorriso de desobediência infantil. E conserva os dentes dentro de nossas bocas, para que apodreçam conosco.
Que persista no tempo apenas aquilo que fomos capazes de criar.
Peço que amanhã de manhã, deus, eu seja acordado com o peso familiar de certo corpo em cima do meu.
Que o sol invada minha barraca brando, resignado.
Então será o ano 2010, mas não fará diferença.