INTRÓITO

Subverter, Exorcizar, Viver, Beijar, Amar, Odiar, Saber, Piratear, Analisar, Mover, Parar, Rejuvenescer, Envelhecer... Tudo isso e nada. Petit Subversion é só um diário de alguém comum - de Anatólia... um fantasma.

domingo, 30 de março de 2008

É o chofre... É Angústia!


"Uma criatura dissipou as fumaças mesquinhas de vingança, uma figura que apareceu numa esquina e logo se sumiu, mas que me ficou profundamente gravada na cabeça.
Como certos acontecimentos insignificantes tomam vulto, perturbam a gente! Vamos andando sem nada ver. O mundo é empastado e nevoento. Súbito uma coisa entre mil nos desperta a atenção e nos acompanha. Não sei se com os outros se dá o mesmo. Comigo é assim. Caminho como um cego, não poderia dizer porque me desvio para aqui e para ali. Freqüentemente não me desvio – e são choques que me deixam atordoado: o pau do andaime derruba-me o chapéu, faz-me um calombo na testa; a calçada foge-me dos pés como se tivesse encolhido de chofre; o automóvel pará bruscamente a alguns centímetros de mim, como um barulho de ferragem, um raspar violento de borracha na pedra e um berro do chofer. Entro na realidade cheio de vergonha, prometo corrigir-me. - "Perdão! Perdão!" digo às pessoas que me abalroam porque não me afastei do caminho. As pessoas vão para os seus negócios, nem se voltam, e eu me considero um sujeito mal-educado. Tenho a impressão de que estou cercado de inimigos, e como caminho devagar, noto que os outros tem demasiada pressa em pisar-me os pés e bater-me nos calcanhares. Quanto mais me vejo rodeado mais me isolo e entristeço. Quero recolher-me, afastar-me daqueles estranhos que não compreendo, ouvir o currupaco, ler, escrever. A multidão é hostil e terrível. Raramente percebo qualquer coisa que se relacione comigo: um rosto bilioso e faminto de trabalhador sem emprego, um cochicho de gente nova que deseja ir para a cama, um choro de criança perdida. Às vezes isso me perturba, tira-me o sono... penso nos namorados que se atracam junto a uma vitrina, em posição incomoda, no operário que tem fome e ameaça o patrão, na criança que chora perdida, chamando a mamãezinha. Tudo foi visto ou ouvido de relance, talvez não tenha sido visto nem ouvido bem, mas avulta quando estou só - e distingo perfeitamente a criança, o operário faminto, os namorados que desejam deitar-se. Eles me invadiram por assim dizer violentamente. Não fiz nenhum esforço para observar o que se passava na multidão, ia de cabeça baixa, dando encontrões a torto e a direito nos transeuntes. De repente um grito, uma palavra amarga, um suspiro – e algumas figuras se criaram, foram bulir comigo na cama".

ANGÚSTIA - Graciliano Ramos, 1936 - (p. 140-141)

- O que farei contigo Angústia? Preciso encontrar uma fobia, e então, parar você? Mas como posso te chamar por um pronome pessoal se nem corpo tem?! Como se lida com o que não se sabe? Angústia é coisa indeterminada. E aquilo que não tem forma, desmancha a gente. A angústia está em todos os cantos. O mundo terá cada vez mais angústia e mais gente que não sabe de nada. Da Angústia nada sabemos. Ela é uma senhora sem rosto, sem desenho, sem desejo e castrada.

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